Este é outro exemplo de como a sintaxe e a semântica interferem fortemente no discurso das minorias. Apesar de essas duas formas de referência ao autista parecerem substituir perfeitamente uma à outra, uma análise mais cuidadosa, que leve em consideração a carga semântica por traz das duas construções, revela que cada uma dessas duas formas podem, e estão, em dois lados opostos nas discussões dos grupos envolvidos nesta questão.
Na forma “pessoa autista”, ou simplesmente “autista”, a ênfase é dada à identidade (de autista) das pessoas. Esta é a forma usualmente preferida pelos próprios autistas. Já na forma “pessoa com autismo”, a ênfase é dada à pessoa, ao indivíduo, e sua condição de autista vem como um apêndice. Esta forma é muito empregada por familiares de autistas e por profissionais que lidam com o autismo.
Nos Estados Unidos, as duas formas são “autistic person” e “person with autism”. Devido à construção sintática do inglês, a palavra à qual a ênfase é dada também vem primeiro na expressão, por isso é comum nos grupos de autistas que a primeira construção seja chamada de “identity-first language” (linguagem com a indentidade primeiro) e a segunda de “person-first language” (linguagem com a pessoa primeiro”). Como esta mudança na posição das palavras não ocorre na língua portuguesa, eu as chamarei de “linguagem centrada na identidade” e “linguagem centrada na pessoa”.
Dito tudo isto, será importante notar que todas as vezes que as duas expressões, “pessoa autista” (ou “autista”) e “pessoa com autismo”, aparecerem nas traduções, a escolha de uma ou de outra jamais terá sido aleatória.
É bom notar também que discussões semelhantes ocorrem não só nos discursos de outras deficiências, mas também nos discursos de outras minorias em geral.
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Quem é o autor???
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Oi Maíra, está seção de terminologia quem faz sou eu, a autora do blog.
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