Escrito por Ido Kedar
Traduzido por Alexia Klein
Publicado originalmente em 21 de abril de 2016
Este é um cavalo.
Este é um humano.
Este é Clever Hans. Ele era um cavalo que, no início da década de 1900, parecia estar resolvendo equações matemáticas simples com o bater de sua pata. No fim das contas, ele estava apenas respondendo a sugestões de seu treinador.
Cavalos não possuem propensão inata a desenvolver linguagem, entender linguagem complexa ou comunicarem-se por linguagem. Eu amo os cavalos, mas eles são cavalos e não humanos. Humanos possuem propensão inata para desenvolver linguagem, entender linguagem complexa e comunicarem-se por linguagem, desta forma, mesmo os humanos que não têm a habilidade típica para a comunicação verbal por causa de uma deficiência, têm a capacidade de compreender linguagem (exceto em circunstâncias extremas).
Humanos, quando surdos, desenvolvem linguagem de sinais.
Humanos que não podem falar, digitam ou utilizam comunicação aumentativa.
Humanos com síndrome de Down entendem e falam utilizando os padões complexos da linguagem.
Então, por que é tão difícil para alguns profissionais acreditar que humanos com autismo têm uma capacidade inata para a linguagem?
Por exemplo, aqui temos um curso do departamento de Análise Comportamental Aplicada (ABA) de uma universidade (o nome do instrutor foi removido), que é descrito da seguinte forma:
Desde que a Comunicação Facilitada (CF) aportou na costa americana no início da década de 1990, declarações extraordinárias de habilidades comunicativas sofisticadas em pessoas com autismo não verbais têm-se proliferado. A própria CF acabou transmutando-se em outras formas, incluindo o chamado “Rapid Prompting method” (RPM). Contudo, independentemente do nome, todas essas técnicas têm uma coisa em comum: elas têm a pretensão de demonstrar que pessoas com autismo, previamente não verbais, são de fato altamente verbais e expressivas de forma que o próprio diagnóstico de autismo é às vezes questionado. Esta não é a primeira vez na história que são feitas tais declarações extraordinárias sobre a comunicação de indivíduos não verbais. Talvez o mais famoso caso seja o de um cavalo na Alemanha por volta da entrada do século XX, chamado Clever Hans. Nesta palestra, o dr. X descreve a história de Clever Hans, incluindo os experimentos feitos pelo psicólogo alemão, Oskar Pfungst, que revelou a natureza da inteligência de Hans e as lições que podemos levar para as declarações recentes de comunicação notável em pessoas com autismo. O dr. X expõe a necessidade de se lançar mão do mesmo nível de minúcia científica que se teve com Clever Hans quando tratando-se dessas declarações. Ele sugere que a abordagem de todas as partes interessadas no autismo, diante de declarações extraordinárias deva ser cética e científica.
Eu analisarei este parágrafo sentença por sentença.
Desde que a Comunicação Facilitada (CF) aportou na costa americana no início da década de 1990, declarações extraordinárias de habilidades comunicativas sofisticadas em pessoas com autismo não verbais têm-se proliferado.
Quando estava no ensino médio eu aprendi na aula de inglês sobre como a linguagem carregada pode ter a intenção de influenciar o leitor. CF “aportou na costa.” Suas declarações de sucesso são “extraordinárias” porque a comunicação escrita das pessoas não verbais é “sofisticada”. Ha ha. Veja bem, pessoas autistas que pensam e escrevem já são uma piada.
A própria CF acabou transmutando-se em outras formas, incluindo o chamado “Rapid Prompting method” (RPM).
Aqui, RPM é englobada com CF, o método que “aportou” na nossa costa, em um aparente esforço para descreditá-lo. O RPM é, na verdade, um método educacional diferente da CF e embora seja referido no texto como ”o chamado Rapid Prompting Method”, este é o nome verdadeiro do método, protegido por direitos autorais.
Contudo, independentemente do nome, todas essas técnicas têm uma coisa em comum: elas têm a pretensão de demostrar que pessoas com autismo, previamente não verbais, são de fato altamente verbais e expressivas de forma que o próprio diagnóstico de autismo é às vezes questionado.
Esta sentença está recheada de desinformação. Ninguém questiona o autismo das pessoas que teclam exceto queles que não acreditam que autistas severos entendam linguagem. Pela lógica deles, se uma pessoa autista tecla, ela não pode ser autista. Isto é lógica circular.
Meu antigo supervisor de ABA disse exatamente isso sobre Tito Mukhopadyhay porque ele se comunica teclando independentemente. Ele apresenta stims. Ele apresenta todos os sintomas de autismo listados em livros, mas pelo fato de ele estar inequivocamente comunicando pensamentos sofisticados, ele não pode ser autista. Ha ha. Qual seria então o diagnóstico correto? E por que ele foi diagnosticado com autismo durante a infância, antes de aprender a escrever teclando? É intrigante que esses profissionais em questão não questionem até que ponto seu entendimento do autismo seja correto quando aparece alguém com autismo que representa um desafio à sua teoria. Ao invés disso, eles declaram que é a pessoa que está incorreta. O meu livro explica de forma bem detalhada como é ter autismo.
Esta não é a primeira vez na história que são feitas tais declarações notáveis sobre a comunicação de indivíduos não verbais.
Não, não é. Como podemos apresentar comunicadores autistas como uma piada?
Talvez o mais famoso caso seja o de um cavalo na Alemanha por volta da entrada do século 20, chamado Clever Hans.
Comparando pessoas autistas com animais. Muito arguto.
Nesta palestra, o dr. X descreve a história de Clever Hans, incluindo os experimentos feits pelo psicólogo alemão, Oskar Pfungst, que revelou a natureza da inteligência de Hans e as lições para as declarações recentes de comunicação notável em pessoas com autismo.
Como mencionei, eu acho que o cavalo é um animal sem capacidade inata para a linguagem e que uma pessoa com autismo é um humano com capacidade inata para a linguagem, apesar de estar severamente prejudicado por más teorias, má instrução e por uma severa desconexão entre a mente e o sistema motor. (Para mais informações sobre o problema da mente/sistema motor, por favor, leiam meu artigo ”Dificuldades motoras no autismo severo”´[tradução livre do título]).
O dr. X expõe a necessidade de se lançar mão do mesmo nível de minúcia científica que se teve com Clever Hans quando tratando-se dessas declarações. Ele sugere que a abordagem de todas as partes interessadas no autismo, diante de declarações extraordinárias deva ser cética e científica.
Certamente, ceticismo é uma coisa boa. Eu venho lidando e convencendo céticos por muitos anos. Pessoas preconceituosas e hostis não são céticas e nem cientistas. (Veja Scientific Un-Query e More on Scientific Un-Query). A propósito, pessoas que têm autismo também são parte interessada, assim como seus pais.
A ciência é cheia de histórias de pessoas que apresentaram novas teorias e foram tratadas com escárnio por profissionais conformados ao pensamento vigente. Ao final, as teorias provaram-se corretas. Agora rimos da obtusidade dos críticos nesses casos, mas, na verdade, eles arruinaram vidas e reputações.
Eu sou um especialista em autismo. Eu não frequentei um curso. Eu não ensinei ABA a crianças. No entanto, eu vivo e respiro autismo. Eu aprendi que especialistas e profissionais podem ter boas intenções e mesmo assim estarem errados. Eu aprendi que eu e outros que teclam temos muito a ensinar sobre a verdade da deficiência. Meu conhecimento baseia-se unicamente em evidência empírica e ocorrências episódicas. Eu nunca apliquei testes em mim mesmo. Entretanto, eu conheço meu autismo não verbal de dentro para fora. Meu autismo é uma desconexão entre a mente e o sistema motor. Ele não é uma questão de processamento da linguagem. Ele não é um atraso cognitivo. Ele é uma deficiência real, difícil de manejar e principalmente, é doloroso não ser capaz de falar. Porém, não falar não é o mesmo que não pensar.
Ido Kedar é um rapaz com uma mensagem a ser compartilhada. Ele passou a primeira metade de sua vida completamente retido em silêncio. A segunda metade ele passou tornando-se uma alma livre.
Ido lutou para receber uma educação formal e para que sua forma de comunicação fosse aceita e validada. Ele comunica-se digitando em um Ipad ou apontando para as letras em uma prancha com o alfabeto. Ele tem um livro publicado chamado “Ido in Autismland” (“Ido na terra do autismo”, em tradução livre) e mantem um blog.
Ido é um ativista pelo direito à comunicação e é frequentemente chamado para dar palestras.
Gostou do que leu? Siga a página do Autismo em tradução no facebook e não perca nenhuma postagem.
Chamou-me muita a atenção o trecho, “Pessoas com autismo, previamente não verbais, são de fato altamente verbais e expressivas de forma que o próprio diagnóstico de autismo é às vezes questionado”. Bem coerente sobre o que se conhece de TEA.
CurtirCurtir
Pingback: Método ABA: seu filho como cachorrinho adestrado • Medictando